Ao perguntar em que língua? não me refiro ao espanhol, ao francês, ao inglês ou ao esperanto. Com essa pergunta só trato de chamar sua atenção sobre a importância da linguagem e apelar à sua capacidade para distinguir as diferentes línguas que podem existir em uma língua. Lembro a você, então, o que certamente já sabe, isso que, se não sabe, ainda que seja de modo obscuro, dificilmente poderei lhe explica: que a linguagem não é apenas algo que temos e sim que é quase tudo o que somos, que determina a forma e a substância não só do mundo mas também de nós mesmos, de nosso pensamento e de nossa experiência, que não pensamos a partir de nossa genialidade e sim a partir de nossas palavras, que vivemos segundo a língua que nos faz, da qual estamos feitos. E aí o problema não é só o que é aquilo que dizemos e o que é que podemos dizer, mas também, e sobretudo, como dizemos: o modo como diferentes maneiras de dizer nos colocam em diferentes relações com o mundo, com nós mesmos e com os outros (...)

(...) A partir daí, a única coisa que tento lhe dizer é que ao perguntar pela língua na qual se constitui essa gigantesca rede de comunicação em que, segundo dizem, todos deveríamos participar, estou convidando você a pôr em jogo o seu próprio ouvido linguístico, sua própria sensibilidade ao modo como algumas formas de escrever e de ler, de falar e de escutar, ampliam a submissão, o conformismo, a estupidez, a arrogância e a brutalidade (...)

(...) O que quero dizer é que, quando leio o que circula por essas redes de comunicação ou ouço o que se diz nesses encontros de especialistas, a maioria das vezes tenho a impressão de que aí funciona uma espécie de língua de ninguém, uma língua neutra e neutralizada da qual se apagou qualquer marca subjetiva. Então o que me acontece é que me dá vontade de levantar a mão e de perguntar há alguém aí? Além disso, sinto também que essa língua não se dirige a ninguém, que constrói um leitor ou um ouvinte totalmente abstrato e impessoal. Uma língua sem sujeito só pode ser a língua de uns sujeitos sem língua. Por isso tenho a sensação de que essa língua não tem nada a ver com ninguém, não só com você ou comigo e sim com ninguém, que é uma língua que ninguém fala e que ninguém escuta, uma língua sem ninguém dentro. Por isso não pode ser nossa, não só porque não pode ser nem a sua nem a minha, mas também, e sobretudo, porque não pode estar entre você e eu, porque não pode estar entre nós.
O que necessitamos talvez não seja uma língua que nos permita objetivar o mundo, uma língua que nos dê a verdade do que são as coisas, e sim uma língua que nos permita viver no mundo, fazer a experiência do mundo, e elaborar com outros o sentido (ou a ausência de sentido) do que nos acontece.
Fragmentos de Jorge Larrosa em "Tremores: escritos sobre a experiência" (2016, p. 58 - 60)